HONDO
Tudo é simples diante de um copo de água.In: O Avesso das Coisas
( Carlos Drummond de Andrade )
Para Tico Santa Cruz, fazendeiro do ar
Seria impossível a Jorja Luisa Borges não ter como
Carta na manga a estratégia da spider.
Finco-te o espeto e, espero a carne assar para eu comer.
Quebro-te o fêmur, o rádio, o carpo, o esterno...
Com essa graça brotam os lacteos enleios. E uma cobertura de filó no berço do hondo.
Eu trituro tudo. E daí? Quem vai triturar sou eu.
Não sou Sócrate, mas não tremeria diante do veneno.
Voltaire volta, endiabrado.
Minha alma nem mais sorri para meu peito
Tão imensa vive de amor insatisfeita.
Dou de mil a zero em minha liberdade e puxo o leite do bico de meu peito.
Eu produzo leite,queijo, iogurte, sou praticamente uma vaca.
Fujo para minha infância.
Dormi com o sal do mar em meus cabelos só para sonhar
E ouvir o grito da sereia.
Um homem puxa faca perto de mim e faz tragédia
No bucho da mulher.
Empapei-me de louro moído e com boca cheia de
Sonetos dei no pé, ave! Nossa senhora que praia é essa
Tão mal tecida de bem-estar.
Enovelei tudo num jogo de amarro.
O amor é um caldo de carne do diabo.
Fujo para me afogar num bar. Minha blusa de branco com bolitas
Pretas ficou rapada no coco.
Um dia eu fui santinha do pau oco e até cheirei rapé.
Eu vi o Cristo me olhar, zangado com meus dizeres.
Na “bolso da bluso” eu troco tudo mesmo.
Meu dinheiro foi banhado na brastemp, meu calção e
Boné enlameados.
Cheiro de sardinha gostosa... a minha boca não fala.
Vem! Ó sono!
Quero dormir ali, com meu amante da Atlântica
O que me sobrou do dinheiro comprei um frango com gosto
De isopor numa jaula girante.
Eu tenho pressa minha gente eu vim de dramas de carnes
De bode e chouriço de sangue pisado.
Eu vim da tonga da mironga e dos gemidos de porcos.
Eu vim de vozes chorando com lamparinas
Eu vim de Castro Alves das Áfricas.
Eu vim dessa tosqueira toda
Hoje em dia sou quase uma mona-ngamba
De manhã de manhãnzinha tomo a bênção a meu remédio.
p.s. hondo é uma palavra nagô.
sábado, 20 de novembro de 2010
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